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The Night Manager: A carta de John Le Carré aos fãs

John-le-CarréCom a estreia de The Night Manager no canal AMC Brasil, o John Le Carré em carne e osso resolveu escrever uma carta aos fãs. Ele é o autor do Best-seller que deu origem à série, e está super contente em ver Hugh Laurie e Tom Hiddleston dando vida aos seus personagens. Leia agora a carte de Le Carré que mostra tudo o que ele sente em relação à estreia de The Night Manager:

“Foi um dos inesperados milagres da minha vida de escritor: um romance que escrevi há mais de vinte anos, que estava enterrado no fundo dos arquivos de uma grande empresa de cinema que havia comprado os seus direitos e para o qual nunca cheguei a fazer um filme. De repente, ele volta à vida e é recontado para os nossos tempos. E como!

No romance, meu espião-chefe britânico era um homem chamado Burr – um sujeito mal esculpido, pesado, direto, mas, enfim, um homem, e uma volta ao passado, aos meus próprios e distantes dias no mundo secreto, quando agentes do sexo feminino eram, para dizer o mínimo, uma raridade.

Mas será que realmente queremos isso em 2015: um homem branco de meia idade jogado contra outro homem branco de meia idade, utilizando um terceiro homem branco de meia idade mais jovem como sua arma preferida?

Não fizemos isso. Então, entra em seu lugar – sob meus próprios aplausos – a encantadora Mrs. Burr, primeiro nome Angela. Astuta, valente, por sua vez sisuda e cintilante e, na vida, como no roteiro, majestosamente grávida.

E então, como poderia dizer Hemingway, havia a história. Para o romance, eu havia ambientado uma boa parte do drama no iate de luxo do meu vilão e extraordinário comerciante ilegal de armas, Richard Roper. Mas iates de luxo custam caríssimo para alugar, e no cinema – a menos que você queira afundá-los – eles tendem a se tornar repetitivos e claustrofóbicos. Muito melhor dar ao personagem uma ilha de bilionários no sol com uma casa no estilo palaciano do Gatsby em seu centro, além de um punhado de casas para seus subordinados e protetores.

No extremo norte da ilha espanhola de Mallorca, encontramos exatamente esse paraíso para um homem tão rico e levamos Richard Roper para ele, juntamente com o seu troféu, a amante bem mais jovem, de uma beleza inigualável e desconcertantemente inteligente, Jed.

Mas ainda tínhamos a história para contar. E ainda estávamos determinados a contá-la ambientada nos dias de hoje. Vinte e cinco anos atrás, o enredo do romance havia me levado – e ao meu protagonista fictício Jonathan Pine – do Cornwall Ocidental para a cidade mineira de Val d’Or no norte de Quebec, para a Cidade do Panamá e para as montanhas arborizadas do Darien.

O objetivo destas andanças aparentemente desconexas era o de frustrar a venda de uma grande remessa de armas de última geração para os nervosos barões da droga da América Central. O seu fornecedor? Mr. Richard Roper, meu vilão.

Mas em 2015 a guerra contra as drogas havia perdurado por um bom tempo, filmes intermináveis a haviam retratado e o quente mercado de armas ilegais havia, entretanto, se transferido para as terras ensanguentadas do Oriente Médio, para a Síria, a Líbia e, principalmente, para o Egito, onde a democracia até hoje é derrubada cada vez que ela levanta a cabeça.

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Eu nunca quis que houvesse um filme do livro. Na verdade, eu nunca quero. Eu queria o filme do filme. E todos nós queríamos isso. Tudo que eu pedi foi que a interação fundamental entre os nossos protagonistas permanecesse intacta e o arco narrativo da história original – não importa onde ela estivesse ambientada – fosse em termos gerais o arco narrativo do romance, explorando as mesmas tensões e apetites humanos e resolvendo o dramático conflito nos mesmos termos gerais.

Quanto à Mrs. Burr: bem, é claro, eu gostaria que a tivesse escrito no romance, em vez de seu pesado marido. Mas não o fiz. Então, tudo o que posso fazer é recebê-la na família e agradecer à minha estrela da sorte que o escritor e os produtores tiveram a sagacidade de dar-lhe vida.

Quanto à atuação de Hugh Laurie – de Tom Hiddleston – de Olivia Colman – de Tom Hollander – de Elizabeth Debicki – e por aí vai – e, acima de tudo, a excelente e intransigente direção de Susanne Bier – em resumo, toda a sinfonia que resultou nas oito horas de duração de The Night Manager – eu só posso dizer que eles trazem de volta os dias de glória da década de setenta, quando eu via O Espião que Sabia Demais sendo trazido magicamente à vida na BBC por Alec Guinness e todo o inspirado elenco que o cercava.”